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Yanis Varoufakis discursa para apoiadores antes das eleições europeias na zona de Peristeri, em Atenas, Grécia, em 1 de junho de 2024.(Nicolas Koutsokostas / NurPhoto via Getty Images)

A Europa está se tornando uma maquina de guerra terceirizada

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Tradução
Sofia Schurig

Diante do genocídio de Israel em Gaza, vários Estados europeus perseguiram os manifestantes que reivindicavam a paz. Nessa entrevista exclusiva, Yanis Varoufakis explicou à Jacobin como uma política militarista está tomando conta da União Europeia.

UMA ENTREVISTA DE

Fernandinando Pezzopane

Nos últimos meses, as mobilizações de solidariedade para com o povo palestino cresceram ao redor do mundo. Mas nem sempre são bem recebidas – ou mesmo toleradas – pelos poderes instituídos. Em abril, o antigo ministro das finanças grego, Yanis Varoufakis, deveria ter participado, através de uma ligação vídeo, em um congresso para a Palestina, em Berlim. Em vez disso, a reunião foi interrompida pela polícia e ele foi impedido de entrar no país.

Antes das eleições do próximo fim de semana para o Parlamento Europeu, a guerra de Israel em Gaza é, para muitos dos principais partidos, um assunto sobre o qual preferem não falar. Mas o partido pan-europeu de Varoufakis, o DiEM25, é certamente uma exceção, tomando uma posição forte a favor de Gaza. Numa entrevista com Ferdinando Pezzopane da Jacobin, Varoufakis falou da cumplicidade do Ocidente na guerra, dos protestos contra a mesma e da perspectiva de construir uma Europa diferente.


FP

Os Estados-membros da União Europeia estão reprimindo a dissidência popular sobre a guerra de Israel e ao apoio dos seus líderes a ela. O governo alemão, que é supostamente de centro-esquerda, tem interrompido todo o tipo de manifestações a favor da Palestina. Eles até prendem ativistas judeus antissionistas, como os membros da Voz Judaica pela Paz, um grupo que teve a sua conta bancária congelada.

Em abril, tanto você como o reitor da Universidade de Glasgow foram banidos da Alemanha, após acusações infundadas de propagação do antissemitismo. Tais alegações também têm sido dirigidas contra todos os que criticam Israel e o seu regime de apartheid e que apele para o fim do genocídio, ao mesmo tempo que a islamofobia institucional cada vez mais crescente. O que está realmente acontecendo aqui?

YV

Há alguns meses, não pensei que fosse provável que o Estado alemão me banisse do país, especialmente por causa da minha participação num evento a favor da paz e do fim de um genocídio. O fato dessa proibição se estender até à minha participação digital em eventos na Alemanha só aumenta o absurdo das medidas que estão dispostos a tomar para proibir vozes pró-paz e pró-Palestina.

Agora é evidente que não há limites para o que esta Europa fará para silenciar qualquer voz que não se alinhe ao jogo. A razão para isso é a transformação da União Europeia numa União de Guerra, a transformação da UE em uum fantoche da OTAN.

Josep Borrell, o chefe dos Negócios estrangeiros da UE, deu-nos uma pista sobre a mudança do cosmopolitismo para o etno-regionalismo quando descreveu a UE como um belo “jardim” ameaçado pela “selva” não europeia à espreita fora de suas fronteiras. Mais recentemente, o presidente francês Emmanuel Macron e Charles Michel, presidente do Conselho Europeu, pediram aos europeus não apenas que se preparassem para a guerra, mas, crucialmente, que confiassem na indústria armamentista para o crescimento econômico e o avanço tecnológico da UE.

Ao falhar em convencer a Alemanha, e os chamados Estados-nação frugais, sobre a necessidade de uma união fiscal adequada, a sua desesperada posição de recuo é agora defender uma União de Guerra. Os nossos partidos MeRA25 em Itália,  Alemanha e Grécia, e os nossos aliados Clare Daly e Mick Wallace, que estão concorrendo a estas eleições europeias, consideram que a nossa oposição a estes planos é uma das nossas principais lutas políticas no próximo Parlamento Europeu.

FP

Os seus estudos mais recentes centraram-se na relação entre a tecnologia e o sistema econômico, cunhando também o conceito de “tecnofeudalismo”. Israel, na sua ocupação militar dos territórios palestinos, utiliza tecnologia militar, software complexo e até inteligência artificial em grande escala. Tudo isto é produzido principalmente pelas universidades israelenses, que foram fundadas com base na expropriação e ocupação de terras palestinas e têm um mandato para apoiar acriticamente o constante expansionismo de Israel. Desta forma, o conhecimento, da engenharia à arqueologia, passando pelas ciências duras, legitima e alimenta as FDI [Forças de Defesa de Israel] e o genocídio. O que a sua análise tem a dizer sobre estas tecnologias e a produção de conhecimento em Israel?

YV

Permita-me discordar da sua premissa: Israel não desenvolveu as suas armas de alta tecnologia de forma independente, tal como não desenvolveu as suas bombas, caças, tanques e mísseis de forma independente. Todas as tecnologias importantes que Israel utilizou para reprimir e matar palestinos vieram dos Estados Unidos.

Sim, Israel desenvolveu as suas próprias e impressionantes capacidades de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento) que permitem às IDF e a outras agências estatais modificar, desenvolver e evoluir as tecnologias de origem americana. E, sim, Israel especializou-se na vigilância algorítmica, ou baseada na nuvem. No entanto, não há dúvida de que Washington, DC, pode desligar os sistemas de alta tecnologia de Israel com um simples toque num interruptor — exatamente como Elon Musk, se quiser, pode desligar o seu Tesla reluzente.

É por isso que em Technofeudalism (Tecnofeudalismo), o meu último livro, me detenho pouco em Israel: não é um ator no confronto entre os dois países que monopolizam o capital das nuvens — os Estados Unidos e a China.

FP

O setor do conhecimento não é o único que tem laços com Israel. As empresas ocidentais de combustíveis fósseis veem Israel como o parceiro mais confiável no Oriente Médio. Continuam a ter acordos comerciais para a pesquisa e extração de combustíveis fósseis, mesmo nas águas territoriais da Palestina. A União Europeia, com o seu plano RePower EU, considera Israel um parceiro estratégico crucial para o setor da energia. Este neocolonialismo energético alimenta e reforça as estruturas dominantes de opressão. Você sempre diz que a Europa ou será democratizada ou implodirá. Certamente, a UE não pode ser um “jardim”, como afirma o chefe dos negócios estrangeiros, Borrell, enquanto queimamos o futuro de comunidades inteiras?

YV

Sem paz e justiça ambiental, não há futuro. Nas últimas décadas, permitimos que a energia fosse privatizada, que se tornasse um monopólio privado. A energia é um bem essencial, não podemos viver sem ela. Isto, por sua vez, significa que as entidades privadas que detêm o setor de energia acumulam grande poder e são capazes de impor aos governos acordos para perfurar os nossos mares em busca de combustíveis fósseis e acordos com Estados genocidas como Israel.

A resposta é simples, mas exige uma grande luta: a energia deve voltar a ser um bem público, propriedade exclusiva do setor público, operando para o bem comum e não para o lucro. Os capitalistas não se preocupam com o ambiente. Só se preocupam com o lucro. Temos que recuperar o setor da energia.

FP

O genocídio na Palestina parece encapsular toda uma série de crises. Em todo o mundo, assistimos a mobilizações que apoiam o povo palestino e pedem por um boicote acadêmico e econêmico a Israel. Você também é professor universitário: Qual é, na sua opinião, a importância destes protestos nas universidades?

YV

Eles me enchem de esperança e otimismo. Trazem-me a memória do histórico movimento anti-guerra nos EUA contra a guerra no Vietnã e, claro, a rebelião de maio de 68. A onda de perseguição e censura desencadeada pelos EUA, mas também pelos governos da UE que apoiam a máquina de guerra de Israel à custa dos intelectuais, dos manifestantes e de todas as vozes que falam em nome da paz, não vai fazer desanimar o movimento de solidariedade com a Palestina. Pelo contrário, os movimentos estudantis estão ganhando força em todo o mundo e o elemento-chave para a necessária escalada é a participação, juntamente com os estudantes, dos sindicatos e dos movimentos populares pela paz.

Quanto ao boicote a Israel, é fundamental. O DiEM25 e eu pessoalmente, temos laços estreitos com o Movimento de Boicote, Desinvestimento e Sanções (Boycott, Divestment, and Sanctions movement – BDS). Este movimento defende o princípio simples de que os palestinos têm direito aos mesmos direitos que o resto da humanidade. Para demonstrar este princípio, o BDS apela ao boicote dos bens, serviços, etc. israelitas por todos nós, enquanto cidadãos, consumidores, acadêmicos, para pressionar Israel a respeitar o direito internacional. Só podemos contar com a nossa classe: os nossos governos são totalmente compatíveis com os interesses dos oligarcas, do sistema da UE e da OTAN.

FP

Na Itália, os estivadores do CALP [Coletivo Autônomo dos Trabalhadores Portuários] adotaram uma atitude antimilitarista, recusando-se a carregar armas nos navios. Outro sindicato de base, o SiCobas, está boicotando grandes varejistas como Carrefour e outras empresas com ligações a Israel. O Collettivo [di Fabbrica] GKN – um grupo de trabalhadores da indústria automobilística despedidos, perto de Florença, que apela para uma estratégia de reindustrialização verde liderada pelos trabalhadores – está criando mobilizações com a comunidade palestina e os movimentos climáticos. Como podemos alimentar estas diferentes chamas de resistência e tentar criar uma agenda contra-hegemônica na Europa diferente da agenda da classe dominante?

YV

Estando lado a lado com os movimentos populares que estão emergindo neste momento na Europa, exigindo paz e justiça ambiental, e, claro, com os sindicatos. A classe dominante usa o medo para controlar as massas. Nós, como verdadeira esquerda radical, devemos quebrar esse medo com uma visão de uma utopia tangível.

A nossa revolução deve usar a tecnologia que as Big Techs estão desenvolvendo agora. Ela pode nos fornecer os meios para comunicar, cooperar e desferir golpes contra o império do capital em toda a parte. Tudo o que precisamos fazer é usá-la para nos juntarmos e transformarmos o sonho impossível em um plano óbvio.

Mas o que significa na prática derrubar o império do capital? Como a humanidade pode reclamar dos seus bens comuns saqueados, em terra, nos oceanos, no ar e, em breve, no espaço sideral?

De duas maneiras: legislando de modo a que as empresas pertençam àqueles que nelas trabalham, na base de um empregado, uma ação, um voto; e negando aos bancos o monopólio sobre as transações das pessoas.

Os bancos e o lucro desaparecerão então como forças motrizes das nossas economias, porque os bancos serão desestabilizados e a distinção entre lucros e salários deixará de fazer sentido: todos serão acionistas iguais das empresas para as quais trabalham.

A morte simultânea do mercado de ações e do mercado de trabalho, juntamente com o desaparecimento dos bancos, redistribuirá automaticamente a riqueza, tornará possível oferecer um rendimento básico a todos e – como um magnífico subproduto – eliminará os incentivos à guerra.

O fim do poder do capital sobre a sociedade permitirá que as comunidades decidam coletivamente sobre a prestação de cuidados de saúde, a educação e o investimento para salvar o ambiente do nosso crescimento virulento.

A verdadeira democracia será finalmente possível, para ser praticada nas assembleias de cidadãos e de trabalhadores, e não à porta fechada, onde se reúnem oligarcas secretos.

Esta dupla democratização, do capital e do dinheiro, parece um sonho impossível. Mas não é mais impossível do que as ideias de uma pessoa, como um voto, ou acabar com os direitos divinos dos reis, soaram no passado.

Sobre os autores

foi ministro das Finanças da Grécia durante os primeiros meses do governo liderado pelo Syriza em 2015. É autor dos livros "Minotauro Global", "E os fracos sofrem o que devem?" e "Adultos na sala", todos publicados pela editora Autonomia Literária.

Ferdinando Pezzopane

estuda ciências do desenvolvimento e da cooperação internacional na Universidade de Turim. É ativista do Coletivo de Comunicação Chrono.

Cierre

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Published in Entrevista, Europa, Guerra e imperialismo, Política and Relações Internacionais

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