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Passado e futuro negro de SP estão em jogo na luta pelo Quilombo Saracura. Foto de Elton Santana

A direita está tentando apagar a história quilombola no Bixiga

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O primeiro quilombo urbano de São Paulo foi encontrado no coração da cidade devido as obras de uma nova estação de metrô. Agora, o bairro se organiza e luta contra o governador bolsonarista para evitar o apagamento da memória histórica no legado de matriz africana que resiste até hoje.

O Bixiga é um território de luta. Ele não existe oficialmente como bairro da cidade. Está dentro da Bela Vista, porém está presente na cidade porque a luta o formou a partir da ocupação dos negros, bem como dos imigrantes italianos que chegaram no fim do século XIX e iniciaram em 1908 a celebração da Nossa Senhora Achiropita. Esse território fez Geraldo Filme cantar o clássico “Quem nunca viu o samba amanhecer/ Vai no Bixiga pra ver”.

A escola de samba Vai-Vai é outro marco do Bixiga, mas perdeu sua sede por causa das obras do Metrô no bairro, da futura Linha 6-Laranja. Ela estava no bairro desde que surgiu como um cordão carnavalesco em 1928 e ainda não tem uma sede nova no bairro a que está historicamente ligada. Essa é uma das várias dívidas com a comunidade e a cultura paulista que o governo do Estado ainda não pagou.

Além disso, antes da escola existir, ali havia um quilombo: o Saracura. Ele formou-se no século XIX. É um momento fundamental da história negra em São Paulo, que está ameaçado pelas obras do metrô privatizado. A concessionária da linha pediu em 2018 dispensa de estudos arqueológicos. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) cometeu o erro de concordar com a empresa.

No entanto, o consórcio Linha Uni (que tem à frente o grupo espanhol Acciona), que está realizando as obras, acabou encontrando diversos vestígios e objetos arqueológicos históricos. Por isso, foi contratada a empresa Lasca, que elaborou em abril de 2022 um Programa de Resgate Arqueológico do Sítio Saracura/14 Bis, que constatou que a área se trata realmente “de um sítio histórico”.

O Bixiga protesta contra o apagamento da memória

Em 2022 a comunidade do Bixiga tomou conhecimento desses achados arqueológicos. Em julho de 2022, formou-se o coletivo Mobiliza Saracura Vai-Vai para que eles sejam preservados se crie um memorial:: “Além de um manifesto e uma petição pública, a mobilização envolve atividades relacionadas ao passado, o presente e o futuro do bairro enquanto um território de resistência negra,” diz uma nota do coletivo.

O movimento protestou que o metrô, o governo do Estado e o IPHAN “seguem com a obra, sem explicar quais medidas estão sendo tomadas (se é que estão) para evitar mais uma violência cultural, patrimonial, racista e histórica.”

Outro apagamento da memória foi a escolha oficial do nome de “14 Bis” para a futura estação de metrô, por causa da estátua existente na praça próxima, em vez de “Saracura/Vai-Vai”. Nessa escolha, “a origem negra e rebelde do bairro, que recebeu de braços abertos a componente populacional italiana, vive um processo reiterado de tentativas de apagamento”.

(Foto do Jornal Empoderador)
(Foto do Jornal Empoderador)

Em 2 de julho de 2022, a comunidade do Bixiga foi às ruas protestar para que o sítio arqueológico fosse protegido, porque a possibilidade de destruição era “certa, devido às obras de implantação do Metrô Linha 6 – Laranja”.

“Por causa da falha causada pela própria empresa e pelo IPHAN, as obras da estação estão paradas, o que levou à chantagem que o governador Tarcísio de Freitas está fazendo com o Bixiga.”

Bixiga, bairro negro

Em 19 de julho de 2023, foi feito um abraço simbólico na área onde ficava o Quilombo. A socióloga Rose Almeida, em nome do movimento, explicou à imprensa que o governo do Estado estava desprezando o impacto da obra na área, que incluía negócios e estabelecimentos fechados e a expulsão do povo preto do local por causa do aumento dos preços: “você tem um branqueamento da região central em função da questão econômica.” Esses problemas também continuam até hoje.

A preservação do patrimônio histórico é um dever jurídico, ético e de respeito à memória. Por causa da falha causada pela própria empresa e pelo IPHAN, as obras da estação estão paradas, o que levou à chantagem que o governador Tarcísio de Freitas está fazendo com o Bixiga: onde o Estado já tomou a quadra da Vai-Vai. Agora ele ameaça paralisar as obras do metrô se tiver que preservar os achados na área quilombola. É um acinte à história da resistência negra em São Paulo.

Até janeiro de 2024, mais de vinte mil objetos já tinham sido encontrados pela empresa A Lasca, contratada pela concessionária, incluindo “uma representação do orixá Exu, uma das mais importantes entidades das religiões de matriz africana, que rege a comunicação entre a terra e o céu, milhares de fragmentos de louças de ágata e de faiança”, entre outros.

Esta é a chantagem de Tarcísio: ele só quer construir a estação de metrô se não precisar atender às exigências de preservação do patrimônio histórico. Ele quer jogar a opinião pública contra a resistência Saracura Vai-Vai, contra a memória dos negros.

Em 24 de julho de 2024, o Mobiliza Saracura Vai-vai divulgou um ofício para várias autoridades, inclusive o Ministério Público de São Paulo (MP-SP), o IPHAN-SP, a Prefeitura da Cidade de São Paulo e ao Governo do Estado de São Paulo, protestando que este “não pode se colocar na contramão da história e da democracia. Queremos a estação histórica Saracura Vai-Vai e a garantia de respeito a ambos os direitos da população do Bixiga: o transporte e a memória”. 

Não há oposição entre as duas coisas e sim falta de vontade política das autoridades em preservar a história do Quilombo Saracura e impedir o apagamento da presença negra do Bixiga. 

Para fortalecer o movimento Saracura Vai-Vai, participem de suas ações e sigam suas redes: https://linktr.ee/estacaosaracuravaivai

Esta luta do Bixiga importa para todos: não podemos deixar que o bolsonarismo consiga realizar em São Paulo o que ele tentou fazer em todo o Brasil: apagar a memória, negar a história e desprezar a cultura negra e os quilombos. 

Sobre os autores

é geólogo formado pela USP, lutou contra a ditadura militar, foi vereador na capital paulista por quatro mandatos e deputado estadual por três vezes, tendo presidido a Comissão Estadual da Verdade Rubens Paiva na Assembleia Legislativa de São Paulo.

Cierre

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Published in América do Sul, Análise, Arquitetura, Cidades and História

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